sábado, 7 de agosto de 2010

Sobre Espelhos

Quem penso eu julgar diante da fumaça fugaz da respiração dos seres vivos no frio do inverno? Quem penso eu julgar quem deu o último beijo? O último abraço em silêncio; o último sonho; o último acordar e sentir a efemeridade da vida? Quem penso eu julgar diante dos últimos papéis o quais nos submetemos a cada dia? O último poema;  a última estrofe; a última frase; a última palavra; o último ponto. O ponto final? O último arrepio; a última vez que se perde o fôlego: a última evaporação entre duas bocas à eminência do beijo mortal e apaixonado de dois amantes que não compreendem o que se passa e esquecem a superfície terrestre? Diante do último impulso; da última melodia do meu corpo esguio, lânguido, sedento de amor e ódio; sedento de uma boca venenosa; de dois olhos que se tornam janelas que se abrem à centímetros e revelam a vida fugidia e menos pacata que ontem; que o agora já não é mais, mas sim o antes à espera do futuro incerto?  Não posso julgar porque não estou munido de tais armas que minha pele recém trocada e úmida deixou pra trás, e junto, tanta ferocidade juvevil e abstrata e sensibilidade humana; de tanta humanidade... negada com voracidade pelo concreto e pelas miragens dos jogos teatrais dos nossos corpos dormentes. Quem sou eu que julgo sem saber julgar? Quem sou eu que não sei quem fui e duvido do que serei? Logo, quem sou eu sendo sem sentido ou significado que procuro antes que o dia amanheça e a noite despenque sobre minha cabeça febril e convulsa de tais fogos fátuos, os resquícios de existência mundana; a incansável procura pelo meu universo cósmico; entre labirintos de signos, procuro uma passagem secreta que me dê abrigo de mim, que já não sei quem sou, mas que ao mesmo tempo, sou todos o meus sonhos e universos; e assim deixo de ser criatura para habitar este lugar que sequer nomeio, pois isso já não é mais necessário: imprescindível é me achar pleno neste mundo indizível.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O Meu Silêncio

É verdade:
tenho andado em silêncio.
Diante das circunstâncias
remotas da minha existência
por diversas vezes, mantenho-me 
em silêncio.
Mas meu silêncio
está muito longe
de ser dor.

É, antes de mais nada,
escuta.
É, antes de meros indícios,
mistério.
É, muito antes de uma
voz que se cala diante da vida,
a sua exaltação.
É a busca pela minha singularidade,
pela minha palavra
pela construção de uma nova
trilha na mata fechada e inexplorada
do meu ser.

Não é amargura, longe disso.
Tampouco uma armadura.
Em silêncio, existo de peito aberto
Tenho existido de peito aberto às nuances da vida.

Não fujo mais
aos raios do sol
aos pingos da chuva
aos olhares furtivos e constantes
às comédias e tragédias gregas cotidianas.
Não tenho o menor interesse
em fugir do tempo.
Pelo contrário,
quero abraçá-lo;
convidá-lo a tomar uma cerveja na esquina

Não toquem em meus cabelos brancos!
Não critiquem minhas rugas!

Passa de longe se isso te consola.
Contudo, sei que, ainda assim
meu ser te toca;
ainda assim, em silêncio;
ainda assim, sutilmente;
ainda assim, divindades;
ainda assim; ainda assim.
ainda...

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Divagações II

"Ao falar você constrói mundos", alguém disse ser afirmação de Heidegger. Mas onde foram parar as palavras? "A pá lavra". Terra lavrada sem nenhuma fertilidade. Sentimento de não mundo. É estar entre, louco a frio. É estar suspenso no espaço tendo que fazer escolhas que não se dá a mínima. A questão: onde foram parar as palavras...? Se só com elas posso construir o mundo que sou é também meu destino amar e despedir-me. É o ue resta. Como sem as palavras? Como terei um pedacinho do céu?  Perderam-se todas naquele último papel que foi na verdade duas mãos que se tocavam uma última vez. Ou, quem sabe, tenham apenas tirados férias. Sensibilidade? Sensibilidade em excesso? Desculpem-me por ser assim, sensível. Prometo que na próxima encarnação - se é que há uma outra possibilidade de meu acontecimento mundano - serei mais pedra do que pele. Juramentos... expiação e prêmio. É... são as palavras que visto e que me fazem construir o que sou. Então não tenho construído muita coisa? Possivelmente. Não se trata de desespero ou desamparo. Não sejamos simplistas a ponto de ver tudo através das lentes embaçadas dos lugares comuns. Faço questão de não ser este lugar comum e isso não é um peso. Estranho pensar que talvez tenham todos receio da leveza das coisas, embora digam que a buscam sempre, e por isso as recepcionam como bigornas, como montanhas, como blocos de concretos ou cofres que caem do céu e trazem em si inscritos selos das indústrias ACME. Inscrições. Atravessamentos que não ricocheteiam na pele e entram na carne. É verdade, não estamos acostumados a nos sentirmos vivos, esquecemos do que é dor, do que é perder o fôlego com palavras, com poemas, com músicas. Ah! A música! Tem sido um lugar fantástico mirabolar os dedos pelas frequências existenciais do braço de madeira que vibra e que me abraça. Nesse lugar meu coração triunfa nas arenas musicais dos sonhos e as palavras que vão para o inferno, pois eu posso viver esse indizível musicalmente. "E eu corri para o violão num lamento e a manhã nasceu azul/ Como é bom poder tocar um instrumento". Tenho pena da mortalidade da vida e ao mesmo tempo vejo uma graça imensa nisso: o que fizeste com teus sonhos? Sonhos? Que sonhos? É... culpa das palavras que migraram para algum lugar e me deixaram nesse não lugar. Pois, vão em paz sagradas palavras! Ainda tenho as notas e escalas musicais, sem falar nos modos gregos, modulações, afinações, substituições e etc. E assim eu construo meu mundo, musicalmente, muito mais colorido e movimentado, "um príncipe entre espectros". Não preciso de ti Mefisto, eu construo meu próprio céu e inferno...

terça-feira, 20 de julho de 2010

VENCEDOR - Augusto dos Anjos

Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E à rutilância das espadas, toma 
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração — estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pôde domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pôde domá-lo enfim ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!

quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Poeta e a Borboleta


Passou-se em algum lugar da memória dos tempos essa história que manifestamente carrega a beleza com que uma borboleta, delicadamente, se apoia no ar para dançar no invisível. Havia um lugar cheio de luz, vento e flores em um jardim perfumado por jasmins e por toda as espécies de insetos que compoem a micro menifestação da vida em todas as suas formas. Ali neste jardim, quase que diariamente, um homem ia para silenciosamente ouvir a música dos astros e para maravilhar-se com a sincronia de tamanha e complexa orquestra que era constituída pela natureza. Era um poeta. E por esta condição, ali sentava-se na esperança de uma expiação pelo que lhe era intrísceco e que também buscava mais do que tudo: um devir poema; a poesia em pedra bruta.

Tinha um andar calmo e paciente de quem caminha no mundo com a leveza pela qual as rugas surgem na pele de qualquer ser humano com o passar dos anos e imaginava, de alguma forma, que seus passos, da masma maneira que o tempo, também deixavam rugas suaves sobre a terra. Gostava de imaginar-se também como uma micro manifestação da vida,  como um daqueles tatuzinhos de jadim que observava entre as pétalas e as folhas das flores. Mas nunca se sentia diminuído por isso, pelo contrário, era grandiosa a felicidade de sentir-se parte de algo muito maior e mais belo e rico do que um ser humano pode imaginar. “Se algum dia eu puder pisar na lua, quem sabe poderei olhar para a Terra e ter uma mínima ideia do que tudo se trata, ou quem sabe, nada”, pensava ele disperso no seu mundo de surrealidades.  Ali os segundos se passavam com a maior completude que ele poderia imaginar.

Era ao menos o que pensava, até o dia em que lhe pousou uma borboleta ao colo. Suavemente balançou a asas coloridas de um violeta tão vivo que o deixou impressionado. Inúmeras vezes vera borboletas a borboletear pelo ar, ainda mais no seu jardim que tanto amava e procurava cuidar, já que passava bons momentos do seu dia ali. Contudo, essa era diferente, embora não soubesse a explicação para esse entendimento. Também não seria a primeira vez a intuir por mera intelegibilidade de mundo e de poeta. Ela era sutil como tudo naquele espaço.

Delicadamente, quis fazer-lhe um carinho na beleza das suas asas. Mas exitou. Ficou apenas a observar. E em poucos segundos a borboleta bateu suas asas e voôu para o infinito. “O que será que aconteu?”, perguntou-se enquanto a borboleta se disperçava pelo no ar. Foi então que começou a reparar que o jardim não era mais o mesmo. Não deu atenção àquilo. Levantou-se. Surpreendeu-se. Desesperou-se. Mas, em segundos controlou-se. Repentinamente, seus pés haviam sumido na grama onde agora ele se achava encravado. Sentiu seu coração de poeta brotar do chão como uma flor. “Será possível?”, indagou com todo arrepio que seu corpo podia suportar antes da dor. Seu sangue agora estava se tornando seiva e ele sabia disso de alguma forma. Talvez porque no fundo sempre alimentou um desejo infinito de se fundir com aquele lugar que tanto amava.







                            
            Quando se deu por flor completa, com pétalas e folhas e coroa e pólen, sentiu um leve pesar sobre uma de suas partes não mais humana, agora vegetais. “Era ela!”. A borboleta que lhe tranformara. Observou-a um pouco mais atento e logo após, quando a oportunidade lhe foi conviniente, perguntou-a: “De onde vens borboleta e para onde vais?”. Sentiu-se estranhamente idiota por tentarfalar com um inseto, mas agora era uma flor e que falava, o que mais  poderia acontecer? “Tenho borboleteado pelo mundo” ela respondeu. “ Dancei sobre quase todas as correntes de vento desse e outros continentes, por vezes no alto, por vezes entre os jardins, árvores e pessoas. Mas, tenho que encontrar o caminho de volta”, disse em sua formozura. “Preciso descansar as asas e terminar o que há tempos comecei”. Então a flor-poeta lhe disse que ele era o humano sobre o qual minutos antes ela pousara e que o transformara naquela flor. Ela respondeu que também já havia se transformado uma vez, de uma simples lagarta que restejava pelo húmus terrestre e que agora havia conquistado aquelas asas incríveis, as quais lhe permitiram borboletear pelo mundo. Ao dizer isso, foi até uma de suas pétalas mais profundas e fez-lhe um carinho de borboleta acariciando-lhe levemente com suas asas violetas. Logo após, bateu asas e voou outra vez.


Abriu os olhos e viu o céu com suas nuvens preguiçosas que vagabundeavam lentamente. Ergueu-se: era outra vez humano. Sentiu um frio na barriga que há muito não sentia. Aquele arrepio subiu do estômago ao peito onde se dissipou pelos braços, cabeça e coluna vertebral até acabar nos pés que agora pisavam outra vez a superfície da  grama. “Era um sonho”, constatou. Não fora uma flor, era não passara de uma experiência onírica o que vivera. Deu-se por satisfeito mesmo assim.

Neste momento a viu daçando pelo ar. “A borboleta!”. A seguiu com os olhos que logo a perderam de vista. O vazio que sentia o fez ir atrás dela, serpenteando por árvores até estar fora do jardim, adentrando a cidade com seus prédios e sinaleiras e andaimes. E reparou no barulho dos carros que trafegavam; nas buzinas; no ruído dos saltos das mulheres que andavam apressadas; em algum molho de chaves que caia ao chão. E a borboleta ia alheia a tudo, na mais bela das distrações. Continuou a segui-la. Até que, em um canteiro que dividia mais uma daquelas ruas não muito movimentadas, a borbotela pousou em algo. Uma forma feminina. Moveu-se enquanto a borboleta esticava mais uma vez as asas ao vento como de costume e logo sumiu atrás da revelação de um rosto.

Sentiu-se flor outra vez. Sentiu que seu coração mais uma vez bombeava seiva, que fluia de suas veias para o concreto do chão da cidade. Não conseguiu pensar em nada. Figiram-lhe todos os poemas e pensamentos. Ele sabia o que acontecia. Imaginou que aquela estranha também tinha asas de uma borboleta. Quis pedir-lhe que pousasse em uma de suas pétalas, mas outra vez exitou. Por fim foi até ela e perguntou seu nome. Ela respondeu algo que, ironicamente, lembrou uma borboleta, com seu sorriso peculiar de uma primevera infinita. Ficou ao lado dela por uns instantes enquanto observava aquele jardim de pedras feito formado pelas fachadas dos prédios.
                      
                       Foi nesse instante que, pela primeira vez, passou a reparar que havia vida naquele lugar. que de alguma maneira, também se tratava de um jardim, tão lindo quando o seu jardim. E que a vida ali também se manifastava da mesma forma e em todas as formas. Não quis sair dali. Ela olhou pra ele e sorriu novamente. Em determinado instante, ao rabiscar algo em alguma folha em branco que carregava, igual ao que ele tanto fizera com seus poemas, acharam-se frente à frente. Ela, de cabeça baixa, absorta. Ele, pasamado com aquele novo universo que se revelava. No instante em que encontraram-se os olhos, ele pensou:

     “Não reparastes, borboleta?







   Basta algo  que florece

    Que mundo desvanece”







                               

                    Quis dizer isso a ela, mas mais uma vez exitou. Afinal era um poeta. E este foi por muito tempo o maior dos seus poemas. E nunca mais se sentiu tão poeta como naquele momento. Contudo, este não lhe havia abandonado. A Poesia jamais o abandonaria. E sabia mais: sabia que havia ganhado um jardim com o mais belo dos sorrisos: um sorriso de primavera infinita. Isso lhe preenchia de uma sensação de homem mais completo do universo. Isso lhe bastava. Quanto a borboleta, ele agora a tinha na forma humana, como ela também tinha a flor da mesma forma. Entretanto, nenhum dos dois havia percebido isso. 

terça-feira, 29 de junho de 2010

Atestado

Adormeci poeta
e acordei menino

Ah, tão bom era aquele domínio
Mas eu precisava do mínimo
que agora me faz menino

Com seus primeiros passos
engatinho em solo desconhecido

Ainda assim, humano
o menor deles

Pega-me no colo, então, destino!

Mundo!

Dá-me os teus sonhos
pra que eu sonhe e
me permite com tuas asas
planar outra vez no ar...


A cruz que carrego
é a do mundo:
não por tê-lo
- longe disso...
mas por sê-lo

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Por culpa da chuva

Chove. Lá fora e aqui dentro. Está tudo molhado e úmido. Telhado de vidro? O que é isso? Não, não venho a esse lugar por moralidades, antes disso: patologia. O certo é que não sei nem por que escrevo isso aqui. Reconheço que há no fundo uma necessidade de rompimento, por isso agora as linhas corridas, derretidas, que molham tudo como faz a chuva lá fora. É tudo culpa dela. Não há a menor sombra de dúvida que ela é culpada disso, por estar nesse lugar, imerso em ruídos molhados que preenchem tudo e ao mesmo tempo nada. Nada é um sentimento? Nada... acredito que sim, posto que... ah, esquece... estou de saco cheio de tudo. Das coisas que valem a pena já nem sei mais. Queres saber? eu não sinto... Amortecido. Mais tecido, menos amor, ou vice e versa. Não importa, as duas palavras juntas são o meu estado de espírito e constituem tudo que aqui habita. Maldito logos humano. Vão todos para o inferno! Poço; poça; fosso; fossa; remo; rima... o certo é que a culpa é da chuva por não saber por que estou aqui neste lugar inerte, vazio e distante. Não tenho a menor ideia dos motivos que fazem ela me remeter até aqui. Só sei que aqui estou, só. Nó; nós; nunca; nuca; sinuca. Nunca mais...

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Curvas e Texturas


Por vezes tenho
me flagrado assim:
todo gemido e tremores
na noite sem fim...
Estou todo nu
trancado dentro de mim.
Relembro curvas e texturas
que me levam às alturas,
que sufocam o meu peito
me derretendo todo por dentro
e, à essas alturas,
já não sei mais quem sou
querendo denovo ser quem fomos
nas formas dos nossos corpos 
suspensos no espaço,
um no outro e
o outro no um...
como se não houvesse
o amanhã, o além, 
visto que 
já somos tudo...

segunda-feira, 14 de junho de 2010

"Pontos de Vista"

"Se eu pudesse te desenhava,
Do meu jeito
Tosco e sem prática.

Por não ter o dom do traço em desenho,
Escreveria os teus em poesia.

Pra que pudesse te guardar onde eu quisesse,
Da maneira que eu desejasse
E com as minhas pretensões.

Que os defeitos pra ti,
Seriam qualidades pra mim.
E a distância não existiria,
Pois seria minha obra.

Na realidade, mesmo que pudesse, não te desenharia.
Pois caso fosse obra minha, não despertarias assim, tanto interesse.
Pois a tua distância e essência
É o que me impulsiona a querer desenhar-te."


Lapidado por Gabe.

Não escreves sobre amor?

Não escreves sobre amor?
Ora, por que farias tamanha bobagem?
Não há porque perder tempo
e palavras e sentidos e sinapses 
com algo tão ridículo como o amor...

Escreves, na verdade, por assim fazê-lo
exorcizando algo que de ti não sai
Nunca saiu...
O faz por acumulo de responsabilidades,
por não sentires prazer em mais nada
além das palavras frias conduzidas pelo
teu punho medonho...
O fazes por feiura, por aberração...
O fazes por não poder fazer por fezes
O fazes por...

Não sabe mesmo porque o fazes
e mais nada!

A poesia te fez assim, fazendo-a;
e fazendo-a assim, ela o fez, amando-te.

Que putaria o Poeta e a Poesia!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Resposta ao meu amigo Metafórico

A bem da verdade
é que andamos todos
por todas as ruas
todos sós.
Sós do sol, dos sóis,
sós de nós mesmos
soltos como sentidos
atirados no chão 
da sala...
Nao há sentido
em colocá-los em ordem.
Amanhã haverá 
outro sol;
amanha haverá 
outro começo;
outro eu;
menos só que
o eu de hoje
- o atual;
amanhã estaremos 
menos sós
e mais humanos!
Amanhã é 
e sempre será
infinito...

terça-feira, 8 de junho de 2010

Pra não dizerem que não falei das flores...

Pra não dizer que não falei das flores?
Que culpa elas têm?
Não seria a capacidade humana de interpretar
e atribuir sentido a tudo e a todos de forma
tão desordenada e aleatória (a maioria das vezes
de forma contraditória)
o problema disso tudo?
É apenas uma flor.
E atribuam o sentido que for
ainda assim é e será sempre
uma flor!
Uma mísera flor...

Afundem os navios petroleiros bêbados nos oceanos;
enforquem os estupradores!
Ainda assim serás uma flor...
Para o diabo o que pensam os outros!
Como se poderá amar sem uma flor?
Por que uma delas seria tão perigosa e hostil?
É só uma flor! Uma mísera flor...

- Só pra que não digam por aí que eu não falei das flores...

sábado, 5 de junho de 2010

Na noite congelante de inverno
uma mãe derramou estrelas
em seu amor incondicionado
por ter o fruto de seu amor roubado
pelas inconstâncias do destino amargo

Na noite gélida, um pai se questiona
o que lhe foi furtivo e lhe ludibriou
os olhos atentos à ceifa em plena luz do dia

No meio da noite,  abraça o outro filho
a mãe no seu desgosto e calor materno,
derramando mundos e lembranças
deste e outros invernos

Lembranças que trazem a paz
de quem  sofre por quem já partiu
e no porto da vida restou nós
tristes por estarmos um pouco mais sós.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

...enquanto os teus olhos
eram o meu espelho
e recriavam o meu ser
cansado de não ver mais
como era, mas sim
como tu me vias ou
como eu deixava que
me visse. Até entender,
talvez, porque me desviava
o olhar. Mas quero que
saibas que aqui estou,
embora com os olhos molhados
pela umidade dos teus,
olhando para o céu...

sábado, 22 de maio de 2010

saí pra rua
atrás de um abraço.
saí em vão...

voltei pra casa
talvez triste.
conversei com o violão...

que abração!


ERRATA:  não se sai de casa em vão. Mas já que rimou...

momentaneamente...

Por que cargas d'água
eu deixo que me escapes
assim às mãos?

Por que me empenho
em desejar-te com
as garras sutis
que um felino brinca
com as asas delicadas
de uma borboleta,
sem machucá-la?

E se te agarro assim,
para que nestas garras
se envolva livre e
suavemente
é porque não sei
ser de outra forma
na sua presença,

momentaneamente...

quinta-feira, 20 de maio de 2010

À Espera


Espero.
Espero com a esperança
de não esperar.
Mas, ainda assim
espero.

Os holofotes celestes
são testemunhas oculares!

Quisera eu fossem estes
os teus passos;
quisera eu fosse este
o teu cheiro;
quisera eu fossem estes
raio e luz
teu corpo e calor,
para que depois
chovessemos
nosso suor
noturno.

Mas, acima de tudo,
espero.

Quisera eu fosse
esta tristeza, teu gozo;
este vento, teu beijo;
este barulho de
água que despenca,
as batidas do teu peito,
onde eu procuraria
o engima dos teus
anseios, dos teus
desejos.

Quisera eu fosse tua
voz a melodia do
universo;
fossem tuas mãos
o berço no qual
dormem os oceanos;
fosse teu seio o
rochedo sobre o
qual meu corpo,
em livre queda, se
choca e se funde

Quisera eu
não esperar mais!

- Contudo,  estou à espera

(...)

Pela noite moribunda
lágrimas gotejam os resquícios
das nossas dores e amores
em tons de azul e branco:
azul anil.
Anil da cor do céu,
da cor do vento e do nosso amor
em cordel;
tecendo vida, leve como pluma
um movimento como figura, retrato
do que nós fomos
- enquanto seres abstratos -
abstraindo, abstraindo,
abstraindo...

AS LÁGRIMAS DO REI


No alto daquela colina
há um rei que chora,
sentado em uma pedra
sobre a neblina do tempo.
Chora por ter sido egoísta
e por isso ter faltado com seu reino,
que agora o observa com suas
 lágrimas nos olhos e que
nunca caem, nunca.
Lá no alto desta colina,
sobre uma pedra que não despenca
pela natureza que lhe assegura,
há um coração que chora o remorso
dos dias felizes do seu reinado  e que
agora não dão sentido algum a sua nobreza.
Do alto daquela  colina vê-se que
o mundo pode estar à seus pés e mesmo
assim o soberano não saber reinar.
Foi num sonho, lá no alto daquela colina,
em um pedra que lhe obserava, inerte,
como seu coração, como seu reino,
como seu reinado, que um rei morreu ali
sentado, por sua ingratidão.
No alto daquela colina há um rei
que chora na esperança que seu reino
lhe estenda a mão. E ele observa a tudo
com um olhar simultâneo de rei e paixão
pelo seu reino, sobre o qual lágrimas não cairão;
Lá no alto há um rei que chora lágrimas
que não caem ao chão.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Enfim

Adormeci menino
e acordei poeta;

Ah, se fosse normal
se sentir assim;
Ah, fosse um beijo matinal
e o perfume do jasmim!

Em mim, jaz; em mim, jaz.

Jaz o medo e a palavra profanada

Adormeci sozinho
e acordei com o vento;

Ah, se normal fosse assim
eu deixaria um pedaço de mim
em cada esquina da capital;

Mas, enfim. Enfim... enfim e enfim!
Enfim sempre me traz à um novo lugar
e rouba todos os pedaços de mim!

Enfim...

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Tautologia

       EGO
      CEGO
  MORCEGO

AMOR CEGO

Vitória

Vitória,
amarraram-te ao tronco
Vitória, como se amaldiçoada
fosse a tua beleza;
amarraram-te as mãos
às costas e os pés juntos
para atear fogo ao que te faz bela;
purificar a vida do seu esplendor.
E a chama que queimara teu peito,
agora consumirá teu corpo,
Vitória. Serás transforma em vento,
em cinzas, em carlor! O teu calor
Vitória, a tua pele e músculos juvenis
outrora por vestes escondidos e
pelo vento diversas vezes revelados
em curvas sinuosas do tua natureza,
agora arderão em labaredas, derreterão
e se desprenderão do teu corpo
com dor intensa. Mas este peito já
ardeu antes, não foi Vitória?
O que pode a raça humana por não ter amado!
O que pode o torpor do mundo ao
ver-se refém da tua beleza, Vitória!
O nefasto acompanha a tua fortuna,
Vitória

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Divagações I

Minhas ideias são como pássaros
deslocando-se no tempo e no espaço,
dançando e planando nas nuvens
os passos mais incríveis de um pensamento

São como estrelas que caem
fugidias e repentinamente
a driblar o olhar leigo e desatento
chocando-se contra a imensidão do universo

Pensar! Divino presente!
desde a árvore até a semente
admirar o céu poente
o crepúsculo sobre o mar!

E cada ideia é um encanto
de sorriso ou de pranto
que encanta a quem eu canto
para que do pranto passe a cantar!

Desejo

Todo desejo
É, na verdade,
Um desejo de morte.
Insípido e difuso.
Divinamente forte
Como a corrente de um rio.
E espantosamente estrondoso
Como castelo que ruiu
Em um dia chuvoso.

Desejos mórbidos do cintilar da noite
Morbidez diária como ração diária
Como doses diárias de vida
Pedaços de vidas pela beira do caminho
À procura da minha própria existência.

Caminhos de desejos: lobo em pele de cordeiro.

Todo desejo
É, como este poema,
Fruto de um sonho.

sábado, 27 de março de 2010

Los Enigmas - Pablo Neruda


Me habéis preguntado qué hila el crustáceo entre

sus patas de oro y os respondo: El mar lo sabe.
¿Me decís qué espera la ascidia en su campanatransparente?
¿Qué espera?Yo os digo, espera como vosotros el tiempo.
Me preguntáis a quién alcanza el abrazo del alga Macrocustis?
Indagadlo, indagadlo a ciertahora, en cierto mar que conozco.
Sin duda me preguntareis por el marfil maldito
del narwhal, para que yo os conteste de qué modo
el unicornio marino agoniza arponeado.

¿Me preguntáis tal vez por las plumas alcionarias
que tiemblan en los puros orígenes de la marea austral?
¿Y sobre la construcción cristalina del polipo habéis
barajado, sin duda, una pregunta más, desgranándola ahora?

¿Queréis saber la eléctrica materia de las púas del fondo?
¿La armada estalactita que camina quebrándose?
¿El anzuelo del pez pescador, la música extendida
en la profundidad como un hilo en el agua?

Yo os quiero decir que esto lo sabe el mar, que la vida
en sus arcas es ancha como la arena, innumerable y pura
y entre las uvas sanguinarias el tiempo ha pulido
la dureza de un pétalo, la luz de la medusa
y ha desgranado el ramo de sus hebras corales
desde una cornucopia de nácar infinito.

Yo no soy sino la red vacía que adelanta
ojos humanos, muertos en aquellas tinieblas,
dedos acostumbrados al triangulo, medidas
de un tímido hemisferio de naranja.

Anduve como vosotros escarbando
la estrella interminable,
y en mi red, en la noche, me desperté desnudo,
única presa, pez encerrado en el viento.



OS ENIGMAS (tradução)

Perguntastes-me o que fia o crustáceo entre
suas patas de ouro e eu respondo-vos: O mar sabe.
Dizeis-me o que espera a ascídia no seu sino transparente?
O que espera? Eu digo-vos: como vós, espera o tempo.
Perguntais-me o que alcança o braço da alga Macrocustis?
Indagai-o, indagai-o a certa hora, em certo mar que eu sei.
Sem dúvida me perguntareis pelo marfim maldito
do narval, para que vos responda de que modo
o unicórnio marinho agoniza arpoado.

Perguntai-me talvez pelas plumas alcionárias
que tremem nas puras origens da maré austral?
E sobre a construção cristalina do pólipo
baralhastes, sem dúvida, uma pergunta mais, desfiando-a agora?

Quereis conhecer a matéria eléctrica das puas do fundo?
A armada estalactite que caminha a quebrar-se?
O anzol do peixe pescador, a música estendida
na profundidade, como um fio na água?

Quero dizer-vos que tudo isto sabe o mar, que a vida
nas suas arcas é vasta como a areia, inumerável e pura
e entre as uvas sanguinárias o tempo poliu
a dureza de uma pétala, a luz da medusa
e debulhou o ramo das suas fibras corais
numa cornucópia de nácar infinito.

Não sou senão a rede vazia que adianta
olhos humanos, mortos naquelas trevas,
dedos acostumados ao triângulo, medidas
de um tímido hemisfério de laranja.

Andei como vós, escarvando
a estrela interminável,
e na minha rede, na noite, acordei nu,
única presa, peixe preso no vento.


quarta-feira, 24 de março de 2010

Sobre Saltos e Assaltos

Como que, por um fenômeno de ressonância, fui alvo de tal assalto, logo ali em pleno asfalto, sob os holofotes dos teatros das banalidades das nossas vidas. E os relógios ensurdecedores marcavam os acontecimentos bio-lógicos “civis”, em nome da sociabilidade antropofágica nas esquinas moribundas do desespero. Apenas os mendigos e os ébrios foram poupados, e por terem sido salvos, tornaram-se testemunhas dos papéis de cada um no seu crime de vida – ou de não-vida.
Todos sabiam que o animal estava à solta. Contudo, ignoravam-no. E pior: subestimavam-no em sua animalidade e destreza de ser como só ele sabe, meticuloso, incólume e belo no seu silêncio, na sua mudez - feroz. Contudo, não há como negar que muitos, apesar de vítimas e criminosos de si mesmos, foram seduzidos pelo salto e seu prelúdio existencial: o que todos ignoravam, inclusive eu, era a sedução por sua precisão quase que cirúrgica de romper o tempo, o espaço, o tédio e o ódio. Era o (re)nascimento da loucura; o rompimento do asfalto; o gérmen da vida que se manifestou muda, e tornou tudo mudo e por pouco, muito pouco, feroz.
E o que se sucedeu? Foi o nada, a perplexidade que marcou o momento de vida subsequentemente – ou imediatamente – ceifada. A flor que rompeu o asfalto, arrancada. Mas, o que houve? A cidade não parou, a música foi escutada mas não ouvida. Não se deram ouvidos a mudez do salto, porque lembrou-nos todos da vida que nos foi tirada, ou que jogamos no ralo, na felicidade que demos descarga. O de repente tornou-se habitualidade, desterritorialização. E eu, que procurava A Terra dos Caras que Não Sabiam de Nada, fui vilipendiado pelo meu próprio enredo curto; poema curto; vida curta; liberdade curta; ilusão... longa.

domingo, 7 de março de 2010

Blue Noite

um gato se esguia pela noite
como eu faço pelos corredores do mundo

O Conhaque – cobre líquido
em paredes de vidro aprisionado
e logo após em sinapses ébrias
Quando livre, vai por água abaixo

Blue Noite, noite blues
azul ou rosa, o céu despenca
sobre nossas cabeças
ébrias sinápticas

Cobre no sangue, ouro no peito,
Chumbo no corpo e nenhum metal nobre

Metais Nobres!
Noite Nobre!
Noite Blues

Blue Noite

O Tempo e Eu

Hoje, enquanto sonolentamente caminhava pela rua, eu o vi. Estava só e me olhava sorrateiro, de canto de olho, do outro lado da rua. Me acompanhou por uma ou duas quadras até que nossos caminhos, mais uma vez tomaram sentidos opostos.
Pareceu-me triste e pensativo. Talvez ande muito sozinho, pois sempre quando notado é recebido com maus olhos, com desespero, tudo em nome da estética. Não discordo que sua presença provoca sempre mudanças significativas. Para uns pra pior; para outros nem tanto assim. Não sei como o receberei quando se dispuser em minha frente. Por hora apenas nos espiamos e seguimos nossos caminhos. Contudo, acredito que nos daremos bem. Boas conversas trocaremos, até porque não me restará mais nada senão conversar, recordar.
Há quem diga que ele não existe, mas eu o vi. E o vejo sempre no caminhar das pessoas, nos rostos apavorados em sua aparência, que a meu ver não é nada demais. Mas reparo que tudo o que é vivo também o vê e, no entanto, não reage dessa forma. A vida em si se contempla.
Hoje pela manhã eu vi o tempo andando pela rua. O vi agindo, dançando, correndo, acontecendo. E eu o vi vivendo. Eu vivia e ela vigiava. Entretanto, nós dois acontecíamos. Não da maneira mentirosa como os relógios o fazem, ou melhor, tentam inutilmente fazer.
Na verdade, acredito que nos ignoramos mutuamente, afinal ainda não era tempo. Eu vi o tempo quando não era tempo, nem o tempo era eu, pois ainda há tempo, o tempo das árvores, das nuvens, do vento, do árduo caminhar das formigas ao som do canto dos grilos. E sobretudo - alheios a tudo, havia o tempo e eu.