quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Poeta e a Borboleta


Passou-se em algum lugar da memória dos tempos essa história que manifestamente carrega a beleza com que uma borboleta, delicadamente, se apoia no ar para dançar no invisível. Havia um lugar cheio de luz, vento e flores em um jardim perfumado por jasmins e por toda as espécies de insetos que compoem a micro menifestação da vida em todas as suas formas. Ali neste jardim, quase que diariamente, um homem ia para silenciosamente ouvir a música dos astros e para maravilhar-se com a sincronia de tamanha e complexa orquestra que era constituída pela natureza. Era um poeta. E por esta condição, ali sentava-se na esperança de uma expiação pelo que lhe era intrísceco e que também buscava mais do que tudo: um devir poema; a poesia em pedra bruta.

Tinha um andar calmo e paciente de quem caminha no mundo com a leveza pela qual as rugas surgem na pele de qualquer ser humano com o passar dos anos e imaginava, de alguma forma, que seus passos, da masma maneira que o tempo, também deixavam rugas suaves sobre a terra. Gostava de imaginar-se também como uma micro manifestação da vida,  como um daqueles tatuzinhos de jadim que observava entre as pétalas e as folhas das flores. Mas nunca se sentia diminuído por isso, pelo contrário, era grandiosa a felicidade de sentir-se parte de algo muito maior e mais belo e rico do que um ser humano pode imaginar. “Se algum dia eu puder pisar na lua, quem sabe poderei olhar para a Terra e ter uma mínima ideia do que tudo se trata, ou quem sabe, nada”, pensava ele disperso no seu mundo de surrealidades.  Ali os segundos se passavam com a maior completude que ele poderia imaginar.

Era ao menos o que pensava, até o dia em que lhe pousou uma borboleta ao colo. Suavemente balançou a asas coloridas de um violeta tão vivo que o deixou impressionado. Inúmeras vezes vera borboletas a borboletear pelo ar, ainda mais no seu jardim que tanto amava e procurava cuidar, já que passava bons momentos do seu dia ali. Contudo, essa era diferente, embora não soubesse a explicação para esse entendimento. Também não seria a primeira vez a intuir por mera intelegibilidade de mundo e de poeta. Ela era sutil como tudo naquele espaço.

Delicadamente, quis fazer-lhe um carinho na beleza das suas asas. Mas exitou. Ficou apenas a observar. E em poucos segundos a borboleta bateu suas asas e voôu para o infinito. “O que será que aconteu?”, perguntou-se enquanto a borboleta se disperçava pelo no ar. Foi então que começou a reparar que o jardim não era mais o mesmo. Não deu atenção àquilo. Levantou-se. Surpreendeu-se. Desesperou-se. Mas, em segundos controlou-se. Repentinamente, seus pés haviam sumido na grama onde agora ele se achava encravado. Sentiu seu coração de poeta brotar do chão como uma flor. “Será possível?”, indagou com todo arrepio que seu corpo podia suportar antes da dor. Seu sangue agora estava se tornando seiva e ele sabia disso de alguma forma. Talvez porque no fundo sempre alimentou um desejo infinito de se fundir com aquele lugar que tanto amava.







                            
            Quando se deu por flor completa, com pétalas e folhas e coroa e pólen, sentiu um leve pesar sobre uma de suas partes não mais humana, agora vegetais. “Era ela!”. A borboleta que lhe tranformara. Observou-a um pouco mais atento e logo após, quando a oportunidade lhe foi conviniente, perguntou-a: “De onde vens borboleta e para onde vais?”. Sentiu-se estranhamente idiota por tentarfalar com um inseto, mas agora era uma flor e que falava, o que mais  poderia acontecer? “Tenho borboleteado pelo mundo” ela respondeu. “ Dancei sobre quase todas as correntes de vento desse e outros continentes, por vezes no alto, por vezes entre os jardins, árvores e pessoas. Mas, tenho que encontrar o caminho de volta”, disse em sua formozura. “Preciso descansar as asas e terminar o que há tempos comecei”. Então a flor-poeta lhe disse que ele era o humano sobre o qual minutos antes ela pousara e que o transformara naquela flor. Ela respondeu que também já havia se transformado uma vez, de uma simples lagarta que restejava pelo húmus terrestre e que agora havia conquistado aquelas asas incríveis, as quais lhe permitiram borboletear pelo mundo. Ao dizer isso, foi até uma de suas pétalas mais profundas e fez-lhe um carinho de borboleta acariciando-lhe levemente com suas asas violetas. Logo após, bateu asas e voou outra vez.


Abriu os olhos e viu o céu com suas nuvens preguiçosas que vagabundeavam lentamente. Ergueu-se: era outra vez humano. Sentiu um frio na barriga que há muito não sentia. Aquele arrepio subiu do estômago ao peito onde se dissipou pelos braços, cabeça e coluna vertebral até acabar nos pés que agora pisavam outra vez a superfície da  grama. “Era um sonho”, constatou. Não fora uma flor, era não passara de uma experiência onírica o que vivera. Deu-se por satisfeito mesmo assim.

Neste momento a viu daçando pelo ar. “A borboleta!”. A seguiu com os olhos que logo a perderam de vista. O vazio que sentia o fez ir atrás dela, serpenteando por árvores até estar fora do jardim, adentrando a cidade com seus prédios e sinaleiras e andaimes. E reparou no barulho dos carros que trafegavam; nas buzinas; no ruído dos saltos das mulheres que andavam apressadas; em algum molho de chaves que caia ao chão. E a borboleta ia alheia a tudo, na mais bela das distrações. Continuou a segui-la. Até que, em um canteiro que dividia mais uma daquelas ruas não muito movimentadas, a borbotela pousou em algo. Uma forma feminina. Moveu-se enquanto a borboleta esticava mais uma vez as asas ao vento como de costume e logo sumiu atrás da revelação de um rosto.

Sentiu-se flor outra vez. Sentiu que seu coração mais uma vez bombeava seiva, que fluia de suas veias para o concreto do chão da cidade. Não conseguiu pensar em nada. Figiram-lhe todos os poemas e pensamentos. Ele sabia o que acontecia. Imaginou que aquela estranha também tinha asas de uma borboleta. Quis pedir-lhe que pousasse em uma de suas pétalas, mas outra vez exitou. Por fim foi até ela e perguntou seu nome. Ela respondeu algo que, ironicamente, lembrou uma borboleta, com seu sorriso peculiar de uma primevera infinita. Ficou ao lado dela por uns instantes enquanto observava aquele jardim de pedras feito formado pelas fachadas dos prédios.
                      
                       Foi nesse instante que, pela primeira vez, passou a reparar que havia vida naquele lugar. que de alguma maneira, também se tratava de um jardim, tão lindo quando o seu jardim. E que a vida ali também se manifastava da mesma forma e em todas as formas. Não quis sair dali. Ela olhou pra ele e sorriu novamente. Em determinado instante, ao rabiscar algo em alguma folha em branco que carregava, igual ao que ele tanto fizera com seus poemas, acharam-se frente à frente. Ela, de cabeça baixa, absorta. Ele, pasamado com aquele novo universo que se revelava. No instante em que encontraram-se os olhos, ele pensou:

     “Não reparastes, borboleta?







   Basta algo  que florece

    Que mundo desvanece”







                               

                    Quis dizer isso a ela, mas mais uma vez exitou. Afinal era um poeta. E este foi por muito tempo o maior dos seus poemas. E nunca mais se sentiu tão poeta como naquele momento. Contudo, este não lhe havia abandonado. A Poesia jamais o abandonaria. E sabia mais: sabia que havia ganhado um jardim com o mais belo dos sorrisos: um sorriso de primavera infinita. Isso lhe preenchia de uma sensação de homem mais completo do universo. Isso lhe bastava. Quanto a borboleta, ele agora a tinha na forma humana, como ela também tinha a flor da mesma forma. Entretanto, nenhum dos dois havia percebido isso. 

terça-feira, 29 de junho de 2010

Atestado

Adormeci poeta
e acordei menino

Ah, tão bom era aquele domínio
Mas eu precisava do mínimo
que agora me faz menino

Com seus primeiros passos
engatinho em solo desconhecido

Ainda assim, humano
o menor deles

Pega-me no colo, então, destino!

Mundo!

Dá-me os teus sonhos
pra que eu sonhe e
me permite com tuas asas
planar outra vez no ar...


A cruz que carrego
é a do mundo:
não por tê-lo
- longe disso...
mas por sê-lo

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Por culpa da chuva

Chove. Lá fora e aqui dentro. Está tudo molhado e úmido. Telhado de vidro? O que é isso? Não, não venho a esse lugar por moralidades, antes disso: patologia. O certo é que não sei nem por que escrevo isso aqui. Reconheço que há no fundo uma necessidade de rompimento, por isso agora as linhas corridas, derretidas, que molham tudo como faz a chuva lá fora. É tudo culpa dela. Não há a menor sombra de dúvida que ela é culpada disso, por estar nesse lugar, imerso em ruídos molhados que preenchem tudo e ao mesmo tempo nada. Nada é um sentimento? Nada... acredito que sim, posto que... ah, esquece... estou de saco cheio de tudo. Das coisas que valem a pena já nem sei mais. Queres saber? eu não sinto... Amortecido. Mais tecido, menos amor, ou vice e versa. Não importa, as duas palavras juntas são o meu estado de espírito e constituem tudo que aqui habita. Maldito logos humano. Vão todos para o inferno! Poço; poça; fosso; fossa; remo; rima... o certo é que a culpa é da chuva por não saber por que estou aqui neste lugar inerte, vazio e distante. Não tenho a menor ideia dos motivos que fazem ela me remeter até aqui. Só sei que aqui estou, só. Nó; nós; nunca; nuca; sinuca. Nunca mais...

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Curvas e Texturas


Por vezes tenho
me flagrado assim:
todo gemido e tremores
na noite sem fim...
Estou todo nu
trancado dentro de mim.
Relembro curvas e texturas
que me levam às alturas,
que sufocam o meu peito
me derretendo todo por dentro
e, à essas alturas,
já não sei mais quem sou
querendo denovo ser quem fomos
nas formas dos nossos corpos 
suspensos no espaço,
um no outro e
o outro no um...
como se não houvesse
o amanhã, o além, 
visto que 
já somos tudo...

segunda-feira, 14 de junho de 2010

"Pontos de Vista"

"Se eu pudesse te desenhava,
Do meu jeito
Tosco e sem prática.

Por não ter o dom do traço em desenho,
Escreveria os teus em poesia.

Pra que pudesse te guardar onde eu quisesse,
Da maneira que eu desejasse
E com as minhas pretensões.

Que os defeitos pra ti,
Seriam qualidades pra mim.
E a distância não existiria,
Pois seria minha obra.

Na realidade, mesmo que pudesse, não te desenharia.
Pois caso fosse obra minha, não despertarias assim, tanto interesse.
Pois a tua distância e essência
É o que me impulsiona a querer desenhar-te."


Lapidado por Gabe.

Não escreves sobre amor?

Não escreves sobre amor?
Ora, por que farias tamanha bobagem?
Não há porque perder tempo
e palavras e sentidos e sinapses 
com algo tão ridículo como o amor...

Escreves, na verdade, por assim fazê-lo
exorcizando algo que de ti não sai
Nunca saiu...
O faz por acumulo de responsabilidades,
por não sentires prazer em mais nada
além das palavras frias conduzidas pelo
teu punho medonho...
O fazes por feiura, por aberração...
O fazes por não poder fazer por fezes
O fazes por...

Não sabe mesmo porque o fazes
e mais nada!

A poesia te fez assim, fazendo-a;
e fazendo-a assim, ela o fez, amando-te.

Que putaria o Poeta e a Poesia!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Resposta ao meu amigo Metafórico

A bem da verdade
é que andamos todos
por todas as ruas
todos sós.
Sós do sol, dos sóis,
sós de nós mesmos
soltos como sentidos
atirados no chão 
da sala...
Nao há sentido
em colocá-los em ordem.
Amanhã haverá 
outro sol;
amanha haverá 
outro começo;
outro eu;
menos só que
o eu de hoje
- o atual;
amanhã estaremos 
menos sós
e mais humanos!
Amanhã é 
e sempre será
infinito...

terça-feira, 8 de junho de 2010

Pra não dizerem que não falei das flores...

Pra não dizer que não falei das flores?
Que culpa elas têm?
Não seria a capacidade humana de interpretar
e atribuir sentido a tudo e a todos de forma
tão desordenada e aleatória (a maioria das vezes
de forma contraditória)
o problema disso tudo?
É apenas uma flor.
E atribuam o sentido que for
ainda assim é e será sempre
uma flor!
Uma mísera flor...

Afundem os navios petroleiros bêbados nos oceanos;
enforquem os estupradores!
Ainda assim serás uma flor...
Para o diabo o que pensam os outros!
Como se poderá amar sem uma flor?
Por que uma delas seria tão perigosa e hostil?
É só uma flor! Uma mísera flor...

- Só pra que não digam por aí que eu não falei das flores...

sábado, 5 de junho de 2010

Na noite congelante de inverno
uma mãe derramou estrelas
em seu amor incondicionado
por ter o fruto de seu amor roubado
pelas inconstâncias do destino amargo

Na noite gélida, um pai se questiona
o que lhe foi furtivo e lhe ludibriou
os olhos atentos à ceifa em plena luz do dia

No meio da noite,  abraça o outro filho
a mãe no seu desgosto e calor materno,
derramando mundos e lembranças
deste e outros invernos

Lembranças que trazem a paz
de quem  sofre por quem já partiu
e no porto da vida restou nós
tristes por estarmos um pouco mais sós.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

...enquanto os teus olhos
eram o meu espelho
e recriavam o meu ser
cansado de não ver mais
como era, mas sim
como tu me vias ou
como eu deixava que
me visse. Até entender,
talvez, porque me desviava
o olhar. Mas quero que
saibas que aqui estou,
embora com os olhos molhados
pela umidade dos teus,
olhando para o céu...