sábado, 7 de agosto de 2010

Sobre Espelhos

Quem penso eu julgar diante da fumaça fugaz da respiração dos seres vivos no frio do inverno? Quem penso eu julgar quem deu o último beijo? O último abraço em silêncio; o último sonho; o último acordar e sentir a efemeridade da vida? Quem penso eu julgar diante dos últimos papéis o quais nos submetemos a cada dia? O último poema;  a última estrofe; a última frase; a última palavra; o último ponto. O ponto final? O último arrepio; a última vez que se perde o fôlego: a última evaporação entre duas bocas à eminência do beijo mortal e apaixonado de dois amantes que não compreendem o que se passa e esquecem a superfície terrestre? Diante do último impulso; da última melodia do meu corpo esguio, lânguido, sedento de amor e ódio; sedento de uma boca venenosa; de dois olhos que se tornam janelas que se abrem à centímetros e revelam a vida fugidia e menos pacata que ontem; que o agora já não é mais, mas sim o antes à espera do futuro incerto?  Não posso julgar porque não estou munido de tais armas que minha pele recém trocada e úmida deixou pra trás, e junto, tanta ferocidade juvevil e abstrata e sensibilidade humana; de tanta humanidade... negada com voracidade pelo concreto e pelas miragens dos jogos teatrais dos nossos corpos dormentes. Quem sou eu que julgo sem saber julgar? Quem sou eu que não sei quem fui e duvido do que serei? Logo, quem sou eu sendo sem sentido ou significado que procuro antes que o dia amanheça e a noite despenque sobre minha cabeça febril e convulsa de tais fogos fátuos, os resquícios de existência mundana; a incansável procura pelo meu universo cósmico; entre labirintos de signos, procuro uma passagem secreta que me dê abrigo de mim, que já não sei quem sou, mas que ao mesmo tempo, sou todos o meus sonhos e universos; e assim deixo de ser criatura para habitar este lugar que sequer nomeio, pois isso já não é mais necessário: imprescindível é me achar pleno neste mundo indizível.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O Meu Silêncio

É verdade:
tenho andado em silêncio.
Diante das circunstâncias
remotas da minha existência
por diversas vezes, mantenho-me 
em silêncio.
Mas meu silêncio
está muito longe
de ser dor.

É, antes de mais nada,
escuta.
É, antes de meros indícios,
mistério.
É, muito antes de uma
voz que se cala diante da vida,
a sua exaltação.
É a busca pela minha singularidade,
pela minha palavra
pela construção de uma nova
trilha na mata fechada e inexplorada
do meu ser.

Não é amargura, longe disso.
Tampouco uma armadura.
Em silêncio, existo de peito aberto
Tenho existido de peito aberto às nuances da vida.

Não fujo mais
aos raios do sol
aos pingos da chuva
aos olhares furtivos e constantes
às comédias e tragédias gregas cotidianas.
Não tenho o menor interesse
em fugir do tempo.
Pelo contrário,
quero abraçá-lo;
convidá-lo a tomar uma cerveja na esquina

Não toquem em meus cabelos brancos!
Não critiquem minhas rugas!

Passa de longe se isso te consola.
Contudo, sei que, ainda assim
meu ser te toca;
ainda assim, em silêncio;
ainda assim, sutilmente;
ainda assim, divindades;
ainda assim; ainda assim.
ainda...

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Divagações II

"Ao falar você constrói mundos", alguém disse ser afirmação de Heidegger. Mas onde foram parar as palavras? "A pá lavra". Terra lavrada sem nenhuma fertilidade. Sentimento de não mundo. É estar entre, louco a frio. É estar suspenso no espaço tendo que fazer escolhas que não se dá a mínima. A questão: onde foram parar as palavras...? Se só com elas posso construir o mundo que sou é também meu destino amar e despedir-me. É o ue resta. Como sem as palavras? Como terei um pedacinho do céu?  Perderam-se todas naquele último papel que foi na verdade duas mãos que se tocavam uma última vez. Ou, quem sabe, tenham apenas tirados férias. Sensibilidade? Sensibilidade em excesso? Desculpem-me por ser assim, sensível. Prometo que na próxima encarnação - se é que há uma outra possibilidade de meu acontecimento mundano - serei mais pedra do que pele. Juramentos... expiação e prêmio. É... são as palavras que visto e que me fazem construir o que sou. Então não tenho construído muita coisa? Possivelmente. Não se trata de desespero ou desamparo. Não sejamos simplistas a ponto de ver tudo através das lentes embaçadas dos lugares comuns. Faço questão de não ser este lugar comum e isso não é um peso. Estranho pensar que talvez tenham todos receio da leveza das coisas, embora digam que a buscam sempre, e por isso as recepcionam como bigornas, como montanhas, como blocos de concretos ou cofres que caem do céu e trazem em si inscritos selos das indústrias ACME. Inscrições. Atravessamentos que não ricocheteiam na pele e entram na carne. É verdade, não estamos acostumados a nos sentirmos vivos, esquecemos do que é dor, do que é perder o fôlego com palavras, com poemas, com músicas. Ah! A música! Tem sido um lugar fantástico mirabolar os dedos pelas frequências existenciais do braço de madeira que vibra e que me abraça. Nesse lugar meu coração triunfa nas arenas musicais dos sonhos e as palavras que vão para o inferno, pois eu posso viver esse indizível musicalmente. "E eu corri para o violão num lamento e a manhã nasceu azul/ Como é bom poder tocar um instrumento". Tenho pena da mortalidade da vida e ao mesmo tempo vejo uma graça imensa nisso: o que fizeste com teus sonhos? Sonhos? Que sonhos? É... culpa das palavras que migraram para algum lugar e me deixaram nesse não lugar. Pois, vão em paz sagradas palavras! Ainda tenho as notas e escalas musicais, sem falar nos modos gregos, modulações, afinações, substituições e etc. E assim eu construo meu mundo, musicalmente, muito mais colorido e movimentado, "um príncipe entre espectros". Não preciso de ti Mefisto, eu construo meu próprio céu e inferno...

terça-feira, 20 de julho de 2010

VENCEDOR - Augusto dos Anjos

Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E à rutilância das espadas, toma 
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração — estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pôde domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pôde domá-lo enfim ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!

quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Poeta e a Borboleta


Passou-se em algum lugar da memória dos tempos essa história que manifestamente carrega a beleza com que uma borboleta, delicadamente, se apoia no ar para dançar no invisível. Havia um lugar cheio de luz, vento e flores em um jardim perfumado por jasmins e por toda as espécies de insetos que compoem a micro menifestação da vida em todas as suas formas. Ali neste jardim, quase que diariamente, um homem ia para silenciosamente ouvir a música dos astros e para maravilhar-se com a sincronia de tamanha e complexa orquestra que era constituída pela natureza. Era um poeta. E por esta condição, ali sentava-se na esperança de uma expiação pelo que lhe era intrísceco e que também buscava mais do que tudo: um devir poema; a poesia em pedra bruta.

Tinha um andar calmo e paciente de quem caminha no mundo com a leveza pela qual as rugas surgem na pele de qualquer ser humano com o passar dos anos e imaginava, de alguma forma, que seus passos, da masma maneira que o tempo, também deixavam rugas suaves sobre a terra. Gostava de imaginar-se também como uma micro manifestação da vida,  como um daqueles tatuzinhos de jadim que observava entre as pétalas e as folhas das flores. Mas nunca se sentia diminuído por isso, pelo contrário, era grandiosa a felicidade de sentir-se parte de algo muito maior e mais belo e rico do que um ser humano pode imaginar. “Se algum dia eu puder pisar na lua, quem sabe poderei olhar para a Terra e ter uma mínima ideia do que tudo se trata, ou quem sabe, nada”, pensava ele disperso no seu mundo de surrealidades.  Ali os segundos se passavam com a maior completude que ele poderia imaginar.

Era ao menos o que pensava, até o dia em que lhe pousou uma borboleta ao colo. Suavemente balançou a asas coloridas de um violeta tão vivo que o deixou impressionado. Inúmeras vezes vera borboletas a borboletear pelo ar, ainda mais no seu jardim que tanto amava e procurava cuidar, já que passava bons momentos do seu dia ali. Contudo, essa era diferente, embora não soubesse a explicação para esse entendimento. Também não seria a primeira vez a intuir por mera intelegibilidade de mundo e de poeta. Ela era sutil como tudo naquele espaço.

Delicadamente, quis fazer-lhe um carinho na beleza das suas asas. Mas exitou. Ficou apenas a observar. E em poucos segundos a borboleta bateu suas asas e voôu para o infinito. “O que será que aconteu?”, perguntou-se enquanto a borboleta se disperçava pelo no ar. Foi então que começou a reparar que o jardim não era mais o mesmo. Não deu atenção àquilo. Levantou-se. Surpreendeu-se. Desesperou-se. Mas, em segundos controlou-se. Repentinamente, seus pés haviam sumido na grama onde agora ele se achava encravado. Sentiu seu coração de poeta brotar do chão como uma flor. “Será possível?”, indagou com todo arrepio que seu corpo podia suportar antes da dor. Seu sangue agora estava se tornando seiva e ele sabia disso de alguma forma. Talvez porque no fundo sempre alimentou um desejo infinito de se fundir com aquele lugar que tanto amava.







                            
            Quando se deu por flor completa, com pétalas e folhas e coroa e pólen, sentiu um leve pesar sobre uma de suas partes não mais humana, agora vegetais. “Era ela!”. A borboleta que lhe tranformara. Observou-a um pouco mais atento e logo após, quando a oportunidade lhe foi conviniente, perguntou-a: “De onde vens borboleta e para onde vais?”. Sentiu-se estranhamente idiota por tentarfalar com um inseto, mas agora era uma flor e que falava, o que mais  poderia acontecer? “Tenho borboleteado pelo mundo” ela respondeu. “ Dancei sobre quase todas as correntes de vento desse e outros continentes, por vezes no alto, por vezes entre os jardins, árvores e pessoas. Mas, tenho que encontrar o caminho de volta”, disse em sua formozura. “Preciso descansar as asas e terminar o que há tempos comecei”. Então a flor-poeta lhe disse que ele era o humano sobre o qual minutos antes ela pousara e que o transformara naquela flor. Ela respondeu que também já havia se transformado uma vez, de uma simples lagarta que restejava pelo húmus terrestre e que agora havia conquistado aquelas asas incríveis, as quais lhe permitiram borboletear pelo mundo. Ao dizer isso, foi até uma de suas pétalas mais profundas e fez-lhe um carinho de borboleta acariciando-lhe levemente com suas asas violetas. Logo após, bateu asas e voou outra vez.


Abriu os olhos e viu o céu com suas nuvens preguiçosas que vagabundeavam lentamente. Ergueu-se: era outra vez humano. Sentiu um frio na barriga que há muito não sentia. Aquele arrepio subiu do estômago ao peito onde se dissipou pelos braços, cabeça e coluna vertebral até acabar nos pés que agora pisavam outra vez a superfície da  grama. “Era um sonho”, constatou. Não fora uma flor, era não passara de uma experiência onírica o que vivera. Deu-se por satisfeito mesmo assim.

Neste momento a viu daçando pelo ar. “A borboleta!”. A seguiu com os olhos que logo a perderam de vista. O vazio que sentia o fez ir atrás dela, serpenteando por árvores até estar fora do jardim, adentrando a cidade com seus prédios e sinaleiras e andaimes. E reparou no barulho dos carros que trafegavam; nas buzinas; no ruído dos saltos das mulheres que andavam apressadas; em algum molho de chaves que caia ao chão. E a borboleta ia alheia a tudo, na mais bela das distrações. Continuou a segui-la. Até que, em um canteiro que dividia mais uma daquelas ruas não muito movimentadas, a borbotela pousou em algo. Uma forma feminina. Moveu-se enquanto a borboleta esticava mais uma vez as asas ao vento como de costume e logo sumiu atrás da revelação de um rosto.

Sentiu-se flor outra vez. Sentiu que seu coração mais uma vez bombeava seiva, que fluia de suas veias para o concreto do chão da cidade. Não conseguiu pensar em nada. Figiram-lhe todos os poemas e pensamentos. Ele sabia o que acontecia. Imaginou que aquela estranha também tinha asas de uma borboleta. Quis pedir-lhe que pousasse em uma de suas pétalas, mas outra vez exitou. Por fim foi até ela e perguntou seu nome. Ela respondeu algo que, ironicamente, lembrou uma borboleta, com seu sorriso peculiar de uma primevera infinita. Ficou ao lado dela por uns instantes enquanto observava aquele jardim de pedras feito formado pelas fachadas dos prédios.
                      
                       Foi nesse instante que, pela primeira vez, passou a reparar que havia vida naquele lugar. que de alguma maneira, também se tratava de um jardim, tão lindo quando o seu jardim. E que a vida ali também se manifastava da mesma forma e em todas as formas. Não quis sair dali. Ela olhou pra ele e sorriu novamente. Em determinado instante, ao rabiscar algo em alguma folha em branco que carregava, igual ao que ele tanto fizera com seus poemas, acharam-se frente à frente. Ela, de cabeça baixa, absorta. Ele, pasamado com aquele novo universo que se revelava. No instante em que encontraram-se os olhos, ele pensou:

     “Não reparastes, borboleta?







   Basta algo  que florece

    Que mundo desvanece”







                               

                    Quis dizer isso a ela, mas mais uma vez exitou. Afinal era um poeta. E este foi por muito tempo o maior dos seus poemas. E nunca mais se sentiu tão poeta como naquele momento. Contudo, este não lhe havia abandonado. A Poesia jamais o abandonaria. E sabia mais: sabia que havia ganhado um jardim com o mais belo dos sorrisos: um sorriso de primavera infinita. Isso lhe preenchia de uma sensação de homem mais completo do universo. Isso lhe bastava. Quanto a borboleta, ele agora a tinha na forma humana, como ela também tinha a flor da mesma forma. Entretanto, nenhum dos dois havia percebido isso. 

terça-feira, 29 de junho de 2010

Atestado

Adormeci poeta
e acordei menino

Ah, tão bom era aquele domínio
Mas eu precisava do mínimo
que agora me faz menino

Com seus primeiros passos
engatinho em solo desconhecido

Ainda assim, humano
o menor deles

Pega-me no colo, então, destino!

Mundo!

Dá-me os teus sonhos
pra que eu sonhe e
me permite com tuas asas
planar outra vez no ar...


A cruz que carrego
é a do mundo:
não por tê-lo
- longe disso...
mas por sê-lo

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Por culpa da chuva

Chove. Lá fora e aqui dentro. Está tudo molhado e úmido. Telhado de vidro? O que é isso? Não, não venho a esse lugar por moralidades, antes disso: patologia. O certo é que não sei nem por que escrevo isso aqui. Reconheço que há no fundo uma necessidade de rompimento, por isso agora as linhas corridas, derretidas, que molham tudo como faz a chuva lá fora. É tudo culpa dela. Não há a menor sombra de dúvida que ela é culpada disso, por estar nesse lugar, imerso em ruídos molhados que preenchem tudo e ao mesmo tempo nada. Nada é um sentimento? Nada... acredito que sim, posto que... ah, esquece... estou de saco cheio de tudo. Das coisas que valem a pena já nem sei mais. Queres saber? eu não sinto... Amortecido. Mais tecido, menos amor, ou vice e versa. Não importa, as duas palavras juntas são o meu estado de espírito e constituem tudo que aqui habita. Maldito logos humano. Vão todos para o inferno! Poço; poça; fosso; fossa; remo; rima... o certo é que a culpa é da chuva por não saber por que estou aqui neste lugar inerte, vazio e distante. Não tenho a menor ideia dos motivos que fazem ela me remeter até aqui. Só sei que aqui estou, só. Nó; nós; nunca; nuca; sinuca. Nunca mais...