sexta-feira, 30 de julho de 2010

Divagações II

"Ao falar você constrói mundos", alguém disse ser afirmação de Heidegger. Mas onde foram parar as palavras? "A pá lavra". Terra lavrada sem nenhuma fertilidade. Sentimento de não mundo. É estar entre, louco a frio. É estar suspenso no espaço tendo que fazer escolhas que não se dá a mínima. A questão: onde foram parar as palavras...? Se só com elas posso construir o mundo que sou é também meu destino amar e despedir-me. É o ue resta. Como sem as palavras? Como terei um pedacinho do céu?  Perderam-se todas naquele último papel que foi na verdade duas mãos que se tocavam uma última vez. Ou, quem sabe, tenham apenas tirados férias. Sensibilidade? Sensibilidade em excesso? Desculpem-me por ser assim, sensível. Prometo que na próxima encarnação - se é que há uma outra possibilidade de meu acontecimento mundano - serei mais pedra do que pele. Juramentos... expiação e prêmio. É... são as palavras que visto e que me fazem construir o que sou. Então não tenho construído muita coisa? Possivelmente. Não se trata de desespero ou desamparo. Não sejamos simplistas a ponto de ver tudo através das lentes embaçadas dos lugares comuns. Faço questão de não ser este lugar comum e isso não é um peso. Estranho pensar que talvez tenham todos receio da leveza das coisas, embora digam que a buscam sempre, e por isso as recepcionam como bigornas, como montanhas, como blocos de concretos ou cofres que caem do céu e trazem em si inscritos selos das indústrias ACME. Inscrições. Atravessamentos que não ricocheteiam na pele e entram na carne. É verdade, não estamos acostumados a nos sentirmos vivos, esquecemos do que é dor, do que é perder o fôlego com palavras, com poemas, com músicas. Ah! A música! Tem sido um lugar fantástico mirabolar os dedos pelas frequências existenciais do braço de madeira que vibra e que me abraça. Nesse lugar meu coração triunfa nas arenas musicais dos sonhos e as palavras que vão para o inferno, pois eu posso viver esse indizível musicalmente. "E eu corri para o violão num lamento e a manhã nasceu azul/ Como é bom poder tocar um instrumento". Tenho pena da mortalidade da vida e ao mesmo tempo vejo uma graça imensa nisso: o que fizeste com teus sonhos? Sonhos? Que sonhos? É... culpa das palavras que migraram para algum lugar e me deixaram nesse não lugar. Pois, vão em paz sagradas palavras! Ainda tenho as notas e escalas musicais, sem falar nos modos gregos, modulações, afinações, substituições e etc. E assim eu construo meu mundo, musicalmente, muito mais colorido e movimentado, "um príncipe entre espectros". Não preciso de ti Mefisto, eu construo meu próprio céu e inferno...

terça-feira, 20 de julho de 2010

VENCEDOR - Augusto dos Anjos

Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E à rutilância das espadas, toma 
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração — estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pôde domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pôde domá-lo enfim ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!